Èsù é comumente mencionado como o mal. Nós fomos educados pelas outras religiões que ele era um anjo de Deus que caiu em desgraça e como consequência foi expulso do paraíso. De modo mais preciso, ele pode ser descrito como uma divindade mágica. Em geral é considerado como o chefe das forças do mal na divinosfera, ainda que nela existam, além dele, outras divindades mortíferas.
O Rei da Morte destrói maciçamente; Ògún, Sàngó e Sapana não perdoam quando são ofendidos e também destroem com crueldade, contudo eles são divindades agindo conforme sua própria natureza e seus próprios direitos, e não como agentes de Èsù .
A penalidade para quem os ofende é a morte. Por outro lado, Èsù pode criar obstáculos no caminho de alguém, somente para dar a vítima à oportunidade de reconhecê-lo; após o que ele pode transformar o infortúnio em boa sorte. Ele é um trapaceiro, mas apenas para aqueles que o depreciam, ou diminuem.
Ele é a divindade da confusão e da incerteza. Tem havido um esforço consciente para aproximar Èşu da divindade do mal, como o Lúcifer bíblico, de quem também se diz ter caído do céu em desgraça. Mas nós podemos ver claramente que a diferença entre eles é que um existe autonomamente ao lado de Deus, enquanto o outro foi criado por Deus e influenciado por Èsù .
Veremos em Èjìogbè, como Èsù veio a existir. É revelado que a escuridão existiu antes da luz. A escuridão, que é qualquer coisa que não podemos ver através, ou compreender prontamente, representa a força do mal, a qual anuncia a existência de Èşu. Assim como a escuridão anuncia onascimento de Èşu, a Luz anuncia o advento de Deus.
A luz representa a verdade, a bondade, a objetividade, a honestidade e o otimismo. O bem e o mal existem lado a lado e estão em constante e interminável concorrência. Um não é criação do outro, por que o bem não pode ser gerado pelo mal, assim como o mal não pode ser gerado pelo bem.
Na luz dos acontecimentos, a divindade chamada Èşu a que estaremos nos referindo neste livro, é uma entidade que não deve ser vista como independente a Deus. Ele veio a ser ao mesmo tempo do que Deus.
A superioridade de Deus reside no fato de que Èsù não pode criar, assim como Deus é única autoridade que tem este poder. Mas Èsù pode mutilar, transformar e causar danos quando ele quer, e ele também pode ser construtivo e até imparcial, quando é persuadido a fazer isto.
Deus é a única agência que pode ser boa e distribuir benefícios e bênçãos do começo ao fim. Ele não tem que ser subornado para ser favorável aos seus filhos. Ao inverso, Èşu está sempre aproveitando a oportunidade que tiver para demonstrar que, caso alguém não reconheça a sua autoridade, ele terá meios de obrigar a esta pessoa a fazê-lo, criando-lhe problemas deliberadamente.
Veremos também que Èsù, em sua capacidade de distribuir o mal, pode conquistar as melhores mentes, tomar conta delas e manipulá-las de acordo com sua vontade. Foi esse Èsù que tomou conta da mente de Lúcifer e o fez se voltar contra Deus. Foi também ele quem tomou conta de mente de Judas Iscariotes e o fez se voltar contra Jesus Cristo.
É o mesmo Èsù que volta o filho contra o pai, a esposa contra o marido, amigos contra amigos, irmãos contra irmãos, homens contra homens, nações contra nações, a terra contra o céu, etc. Tem se discutido que ele é quem tem maior quantidade de seguidores dentre qualquer comum idade de criaturas vivas. Não há ser criado por Deus que Èsù não possa manipular, começando com as divindades que Deus criou primeiro, para auxiliá-lo na administração do Universo.
Èsù criou tantos problemas para elas que ele acabou usando-as conforme sua vontade. Quando estas divindades perpetraram o mal, tanto umas contra as outras, quanto contra os indefesos mortais, elas o estavam fazendo sob a influência de Èsù e não como servidores de Deus. Algumas destas divindades pensaram várias vezes que pudessem ignorar Èsù e prosseguir assim. Conforme descrito no capítulo anterior, que tratava da criação do mundo, Deus mandou suas duzentas divindades preferidas para a terra, mas Èsù veio com elas como a ducentésima primeira (201a.) divindade.
Todas elas trouxeram consigo instrumentos recolhidos dentro do quarto mais íntimo da casa de Deus, exceto Èsù, que é um fenômeno independente. Esses instrumentos, ferramentas e miudezas que estas divindades trouxeram com elas para o mundo, consistem os materiais com os quais seus seguidores são iniciados para seus cultos em diferente fé e ordens religiosas até hoje. A diferença entre as outras divindades e Èşu é que ele não tem religião própria e ninguém é iniciado para seu culto exclusivo. Com exceção da pedra procurada na água corrente de um rio, que é usada para preparar seu altar e de seu animal favorito, o bode, não há qualquer outro instrumento ou ferramenta com a qual Èşu possa ser associado. Seu altar em geral é preparado apenas por aqueles que preferem recrutar a sua ajuda, ante ao seu antagonismo, e não que a ele estejam servindo de alguma outra maneira discernível.
A verdade sobre o lugar de Èsù na divina fera é que esse é o lugar mais traiçoeiro e enganoso de todos. Nós iremos descobrir mais tarde nesses livros, que logo depois que ele veio ao mundo com essas divindades, elas todas tentaram mantê-lo isolado e à parte. Elas se recusaram a reconhecer seu poder e autoridade. Veremos também que problemas ele criou para todo o grupo como estratégia para obrigá-los a reconhecerem seus poderes. Descobriremos que quando todas as divindades resolveram vir ao mundo para definir sua própria posição na hierarquia, elas concordaram que cada uma festejaria todas as outras em suas próprias casas, seguindo uma ordem hierárquica de Antiguidade. Òrísá N’Lá estava indicado para ser o primeiro, uma vez que tinha sido escolhido como representante do próprio Deus na terra. Èşu de certo modo alertou-os de que ninguém poderia pretender ser mais antigo do que ele, porque ele estava lá antes que qualquer outro tivesse sido criado. Elas o mandaram calar-se. Òrísá N’la então começou a preparar a sua própria festa. Nesse dia, tão logo a mesa foi estendida para que comidas e bebidas fossem servidas, Èsù piscou seus olhos para dois dos filhos de Òrísá N’la e eles foram imediatamente tomados por convulsões. Quando a festa estava para começar, gritos foram ouvidos vindos do Harém de Òrísá N’la e todos abandonaram a mesa de jantar para descobrir o que estava acontecendo. Antes que qualquer um deles pudesse fazer alguma coisa, as duas crianças morreram. O mesmo incidente, em diversas variações, aconteceu quando chegou à vez das outras divindades. No final, todos acabaram concordando em deixar Èsù iniciar com os banquetes, e depois disso todas as outras fizeram suas festas sem atrasos ou impedimentos. Esse incidente ilustra claramente que ninguém pode competir e confrontar Èsù. Mesmo Deus, que teOrícamente tem poder para eliminá-lo da superfície do sistema planetário, permitiu que ele transitasse livremente entre os pobres e indefesos mortais. Òrúnmìlà é a única divindade que sabe como administrar Èşu até hoje. Veremos em Ogbè-Òdí como Èsù tornou-se um parceiro íntimo de Òrúnmìlà. Ele é a única divindade que sabe como aplacar Èşu e obter dele o máximo de proveito. E é por isto que Òrúnmìlà, sabendo que ele é o arquiteto do infortúnio, está sempre a recomendar seusseguidores para que ofereçam freqüentes sacrifícios a Èsù.
Qualquer um que deseje ser bem sucedido em plantar, caçar, negociar e etc, é avisado por Òrúnmìlà para que comece dando a Èsù o seu bode. Veremos depois em Obgè-Òkànràn como um estrangeiro recém-chegado que queria ser fazendeiro foi instruído por seus vizinhos para que plantasse nos pântanos, quando todos eles sabiam muito bem que durante as chuvas, tudo o que tivesse sido semeado nos pântanos seria destruído pelas enchentes. Òrúnmìlà instruiu o fazendeiro para que desse um bode para Èsù, que reagiu suspendendo as chuvas naquele ano. Todos os outros fazendeiros da cidade fizeram suas plantações no topo das colinas e nos vales, e suas plantações secaram pela falta de água. Todos eles então tiveram que comprar alimentos do novo fazendeiro, naquele ano, porque suas plantações no pântano tinham propiciado as mais ricas colheitas. No ano seguinte, o novo fazendeiro foi aconselhado pelos mais velhos da cidade a fazer sua fazenda nas colinas, enquanto eles fariam as deles nos pântanos. O visitante foi novamente a Òrúnmìlà, que mais uma vez recomendou-lhe que desse um bode a Èsù. Depois de fazer a oferenda, o fazendeiro começou a plantar na colina. Tendo aceito a oferenda, Èşu veio uma vez mais para abrir a rolha com a qual havia estancado o barril da chuva do céu no ano anterior. Começou a chover tão fortemente que só a fazenda sobre as colinas floresceu imensamente. Todas as outras, feitas nos pântanos, foram destruídas pelas enchentes. Uma vez mais a cidade inteira teve de comprar alimentos do recém-chegado durante todo o ano seguinte. Estes dois acontecimentos fizeram do novo fazendeiro o mais próspero homem da cidade. Veremos mais tarde como acabou por ser coroado Obá de toda a região, quando considerarmos os feitos de Ogbè-Òkànràn, um dos Ódù de Èjìogbè. Neste ponto, esta história tem o único interesse de demonstrar que Èsù pode ser um ajudante valioso para a pessoa que não o subestimar ou negligenciar. E é por isso que antes eu o descrevi como divindade da razão ou a interação entre o bem e o mal. Ele age de diferentes modos. Ele pode influenciar a mente de um juiz encarregado de um caso para realizar ou impedir um julgamento que afete a qualquer pessoa, dependendo de que esta tenha ou não feito oferendas a ele. Veremos depois como ele puniu um conceituado general do exército que tinha sido mandado pelo rei em missão de conquistar uma cidade inimiga. Antes de partir para a guerra, o general buscou um adivinho, ondefoi instruído a dar um bode a Èsù. Ele estava, no entanto, tão certo de sua habilidade que não considerou necessário fazer qualquer sacrifício. Aí então ele seguiu para a guerra, mas foi avisado que ficasse consciente do infortúnio que viria depois de seus atos de bravura em batalha.
Ele foi mesmo vitorioso nas batalhas, e quando voltou ao rei para narrar lhe o seu sucesso, Èsù influenciou um dos conselheiros reais a dizer que não seria suficiente narrar como ele tinha submetido o rei da cidade dominada, mas que o General devia demonstrar como ele tinha agido. Enquanto ele dançava e demonstrava seus movimentos com a espada, Èsù tirou a espada da mão do General e ela caiu de suas mãos ferindo o rei, que imediatamente caiu inconsciente. O General foi imediatamente preso e acorrentado, aguardando julgamento e execução. E foi durante o tempo de prisão que o general lembrou-se do sacrifício que ele tinha deixado de fazer a fim de evitar desastres depois de sua vitória na batalha. Ele então mandou uma mensagem a sua esposa, que imediatamente ofereceu um bode a Èsù. Tendo recebido o que desejava, Èsù foi em espírito a Òrúnmìlà, que era também o médico do rei, Orientando-o para que usasse uma determinada folha para fazer o rei recobrar a consciência. Òrúnmìlà instantaneamente deixou seu palácio para curar orei e tão logo usou as folhas indicadas por Èsù, fez com que o rei voltasse a si. Novamente, Èsù tomou conta da mente do conselheiro real que antes tinha dado a sugestão que acabara gerando a catastrófica demonstração de Luca com a espada e fez lhe desta vez, recomendar compaixão. O mesmo conselheiro apelou ao rei que lembrasse dos bons serviços que o general já lhe prestara no passado, retomando o ditado de que “Um servo leal não pode ser condenado com base em um único erro fortuito e não intencional.” Sua sugestão foi prontamente aceita pelo rei e o general foi perdoado e finalmente homenageado por sua vitória.
Estas histórias como verão depois, ilustra claramente o que Òrúnmìlà tem ensinado a seus seguidores: que ninguém pode vencer uma batalha com Èsù, porque ele tem o poder de influenciar todas as criaturas e manipulá-las a sua vontade. Èsù é capaz de dominar um homem com um estalar de dedos. Os homens podem apenas evitar a cólera de Èşu, alimentando-o ou aplacando-o periodicamente, sem necessariamente terem de submeter-se a ele. Èsù é capaz de voltar pais contra filhos, tornar o inocente culpado, voltar esposas contra os maridos, bruxas contra os homens e transformar fortuna em infortúnio, dependendo apenas de que esse alguém tenha procurado sua ajuda ou incorrido em seu desprazer. O papel de Èsù como divindade do bem e do mal pode ser claramente ilustrado nas revelações de Iròsún-Irètè, que nos contarão mais tarde como um sacerdote chamado Okpini fora advertido por Ifá para que nunca deixasse sua casa para dar consultas fora, sem antes oferecer, cedo pela manhã, um inhame assado a Èsù, por sete dias seguidos. Ele seguiu a advertência ao pé da letra por seis dias consecutivos. No sétimo dia, foi intimado muito cedo, pela manhã, para ir ao palácio real, porque o rei precisava dele para uma decisão urgente. Sem esperar para dar primeiro o inhame assado a Èşu, ele partiu apressadamente para o palácio, apesar de ter intenção de fazê-lo tão logo retornasse à sua casa. Èşu ficou aborrecido e decidiu fazer com que o sacerdote pagasse por ter dado maior deferência ao rei do que a ele. Okpini foi ao palácio e lhe disseram que as coisas não iam indo bem para o rei. Ele disse que os súditos não estavam pagando seus impostos pontualmente e, com isto, a fortuna do palácio vinha diminuindo. O rei queria que ele descobrisse porque isto estava acontecendo e como melhorar a situação. Após a consulta oracular, Okpini disse ao rei que fizesse o sacrifício e a situação daria sinais de melhora naquele mesmo dia. Ele predisse que após o sacrifício, caçadores trariam ao palácio naquele dia: uma serpente, um veado vivo e notícias de dois caçadores que tinham conseguido abater um búfalo e um elefante. O rei seguiu rapidamente as prescrições e ficou esperando que as predições de Okpini se manifestassem. Terminado o trabalho, Okpini voltou para casa, todas as suas predições iriam se mostrar verdadeiras, mas Èsù estava determinado a impedir que elas se manifestassem.
Enquanto isso, Èşu se transfigura em um velho cidadão e toma posição na ponte que dá acesso à cidade (Ubode em Yórùbá). Quando o homem com a serpente chega, o ancião diz a ele que, no seu próprio interesse, não vá ate o palácio, porque o rei está fazendo certos sacrifícios e os sacerdotes de Ifá lhe tinham recomendado que qualquer caçador que viesse ao palácio com qualquer animal, ou para contar que tivesse abatido qualquer caça (era tradição, naqueles tempos, que qualquer pessoa que abatesse um animal grande deveria contar ao rei para render-lhe homenagem), deveria ele mesmo (o caçador), ser usado como vítima do sacrifício que estava sendo oferecido no palácio naquele dia. Tão logo o homem que trazia a sucuri ouviu as más notícias, agradeceu o velho homem e sentou-se perto da Ubode para esperar. O homem com o veado vivo, o que havia matado o búfalo e o que havia matado o elefante também se refugiaram temporariamente perto da ponte. Todos eles acabaram passando a noite ali, nem ousando entrar na cidade e muito menos ir até o palácio. Depois de esperar em vão que as previsões de Okpini se tornassem verdadeiras, o rei se aborreceu e, na manhã seguinte, mandou chamar Okpini mais uma vez. Desta vez, Okpini já tinha dado o inhame a Èsù, embora com atraso. Chegando ao palácio, o Obá acusou-o de incompetência e de ser mentiroso e trapaceiro. Ele estava irremediavelmente em desgraça. Deprimido, Okpini retornou a sua casa, embrulhou seu Ifá e jogou o no rio Òsùn, por tê-lo enganado nas predições. No entanto, tão logo ele tinha deixado o palácio, Èsù, que já tinha recebido seu inhame, foi contar aos caçadores que aguardavam na um bode, que os sacrifícios no palácio haviam terminado, e que o caminho estava abeto e que eles poderiam prosseguir até o palácio. Todos eles chegaram lá ao mesmo tempo para renderem suas homenagens ao rei. O rei admirou-se de que todos eles tivessem chegado ao palácio ao mesmo tempo e perguntou-lhes se por acaso todos teriam ido caçar no mesmo lugar. Em resposta, eles lhe contaram, sem medo, como tinham passado a noite na um bode, embora, na verdade, tivessem chegado à cidade na véspera. Nesse momento, o rei entendeu que as previsões de Okpini tinham se cumprido na íntegra, mas que as malévolas maquinações de um desconhecido tinham assustado os caçadores. O rei mandou rapidamente um chamado a Okpini, pedindo-lhe desculpar por incomodá-lo tão cedo. Disse-lhe então que todas as previsões tinham se realizado, recompensou-o e conferiu-lhe um alto título. Okpini mais tarde voltou para casa à frente de um cortejo triunfal.
Tão logo chegou em casa, correu para o rio Oşun para recuperar seu Ifá e, ao chegar em casa, apaziguou-o com a oferenda de uma cabra que o rei lhe havia dado. Os leitores podem imaginar como, falhando em dar um mísero inhame assado a Èsù, tantos transtornos foram causados. É por isso que, no culto de Ifá, as pessoas são sempre ensinadas a fazer as oferendas prescritas para Èsù sem qualquer demora. Um exemplo final é dado em Iròsún-Osa, o do barbeiro real que é alertado para fazer sacrifício para Èsù a fim de evitar que as suas tarefas não consigam ser completadas. Ele se recusou a fazê-lo. Nesse ínterim o rei pede ao barbeiro que venha ao palácio lhe cortar o cabelo. Quando percebeu que o barbeiro tinha se recusado a fazer-lhe o sacrifício, Èsù se transforma em um velho cidadão e vai ao barbeiro para cortar o cabelo, chegando exatamente na hora que ele está de saída para o palácio. O velho homem tenta convencer o barbeiro a atendê-lo antes de sair. Este faz o que pode para convencê-lo a voltar mais tarde, uma vez que está indo atender o rei, mas não consegue. Finalmente, decide, pelo preço de 5 kobo, cortar o cabelo do ancião. Mas aí percebe que à medida que vai cortando lhe o cabelo, este vai crescendo, instantaneamente, e apesar de levar o dia inteiro cortando o cabelo do homem, nem um único fio de cabelo cai no chão. No fim do dia, o velho acusa o barbeiro de ineficiência e recusa-se lhe pagar o combinado porque o seu cabelo e está mais comprido do que estava antes de vir cortá-lo. E é nesse ponto que o barbeiro, tendo desapontado o rei naquele dia, entende que devia ter feito o tal sacrifício. O que deve ser observado nessas análises é que, como todas as outras divindades, Èsù é invisível e pode influenciar situações e fatos de diversas maneiras. É errado supor que Deus espere de nós, simples mortais, que antagonizemos Èsù, porque nós nem ao menos podemos vê-lo para abrir-lhe combate. Ele opera em espírito e, muitas vezes, age por procuração. A regra do culto a Ifá é dar a Èsù o que quer que seja necessário para agradá-lo, e, às outras divindades, o que elas desejarem, e só assim alguém poderá ter a chance de atingir os objetivos de seu destino.
À medida que vivemos, não temos meios de nos confrontar com forças invisíveis, quer elas tenham boas ou más influências em nossas vidas. Verdade é que, à medida que seguimos as regras de ouro, fazendo às outras criaturas de Deus aquilo que esperamos que elas façam para nós, estamos diretamente a serviços de Deus. Mas isso não significa que não estaremos vulneráveis a outras forças malignas, invejosas de nossas virtudes e determinadas a expulsar os atributos da bondade da face da terra. Òrúnmìlà revela que, o modo como Deus espera que nós reajamos a estas forças do mal não é fazendo o mal, mas defendendo-nos delas. A questão agora é, como os seres humanos que se queixam das maldades dos outros contra eles, podem eles mesmos pedir absolvição total por praticar o mal? O chefe de um escritório que insiste que seus subordinados lhe paguem propinas antes de promovê-los, chefes homens que insistem que seus subordinados do sexo feminino, casadas ou não, vão com eles para a cama antes de ser recomendado para receber seus direitos de rotina e/ou privilégios, o trabalhador que exige propina de uma concessionária antes de garantir isenções estatutárias ou cívicas, o policial que recebe propina um caso, de modo a alterar o curso da justiça, o bancário que causa prejuízos ao público fazendo operações de câmbio no mercado negro, assim impedindo que esse dinheiro seja usado para cumprir obrigações nacionais legítimas, aqueles que usam meios físicos e diabólicos para buscar a morte de alguém que esteja atrapalhando seu caminho de ganho, lucro, promoção ou competição, qualquer pessoa que falsifique uma situação à custa de outros para seu ganho pessoal, qualquer pessoa que participe da conquista de uma posição ou indicação, em detrimento de outros e para seu próprio benefício, qualquer um que roube seu vizinho abertamente ou não, e qualquer funcionário público que inflacione o custo de um projeto ou contrato para aumentar sua própria comissão, não pode esperar invocar a graça de Deus, não importa quão fervorosas sejam suas preces. É um princípio fundamental das regras da divinos fera que aqueles que buscam a bênção das divindades, devem fazê-lo se tiverem às mãos razoavelmente limpas. Nenhum homem pode, sob qualquer justificativa, esperar melhor justiça dos poderes superiores denegrindo a integridade de outros, quando são, eles mesmos, culpados de ofensas semelhantes.
Quando nos engajamos em qualquer prática que não seja sadia, estamos agindo como agentes do mal e não como servidores de Deus. Se uma pessoa dessa espécie está rezando ou pedindo algo e espera que Deus e suas divindades escutem suas preces, está simplesmente esperando extrair água de uma pedra Assim sendo, é razoável concluir que desde que não são muitas as pessoas que servem a Deus de maneira correta, é lógico que partamos para a segunda melhor alternativa: a de encontrar Deus através de seus agentes, as divindades e consequentemente aplacando as forças do mal, das quais nós mesmos não estamos livres. Em outras palavras, aqueles que estão verdadeiramente limpos de coração, e eles são poucos e estão longe, podem ousar ignorar Èsù e prosseguir. Mas na medida em que nadamos, nos banhamos e bebemos da correnteza do mal, não estamos em posição de condenar Èsù.
É só através do bem absoluto que podemos lutar e nos precaver contra Èsù. É por isso que no Novo Testamento, quando a multidão quer apedrejar Maria Madalena por prostituição, como era costume entre os judeus naqueles tempos, Jesus pediu que qualquer pessoa daquela multidão que se considerasse livre de pecado, atirasse a primeira pedra, e ninguém atirou. É assim que Òrúnmìlà, a divindade da sabedoria, nos ensina que a melhor abordagem a Èsù é tentar apaziguá-lo para que ele não obstrua os caminhos de nossa vida, porque nós não somos suficientemente fortes, nem física, nem espiritualmente, para lutar contra ele.